quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Letramento Digital


Termo bastante usado atualmente, letramento tem como conceito algo que ultrapassa o significado da palavra alfabetização, ou seja, a alfabetização considera a possibilidade do indivíduo saber decodificar as letras e seus respectivos sons. O letramento enfoca os aspectos sócio‐históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade e de como esse cidadão irá usufruir disso como prática social e se tornará membro ativo deste meio.
Como letramento digital entende-se que o cidadão consciente não só interpreta o que aprende mas interage com o texto que tem mãos. Este deve saber não somente usar a máquina mas usar com consciência, e de forma crítica.
Para o alcance desse realidade muito ainda deve ser feito por parte das escolas e suas entidades mantenedoras. As escolas devem oferecer a possibilidade de formação de um indivíduo crítico e atuante inserido nesta sociedade, alem de profissionais devidamente capacitados e conscientes do seu papel de responsabilidade pela inclusão digital de seus alunos.

E quem foi que disse que ser povo não é chique?

Quem diria que um cearense lá do Assaré que freqüentou a escola por apenas quatro meses e agricultor, seria um reconhecido compositor, improvisador e cantor.
Nascido em 1909 e falecido em 2002, Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré traz em suas obras uma visão de mundo diferente dos escritos convencionais. Retrata a vida de uma cultura cabocla. Poemas e músicas às vezes nostálgicos que mostram o desapontamento com as mudanças trazidas pelas mudanças da modernidade e da vida urbana ou que por vezes tematizam a reforma agrária, os ideais, os valores e o cotidiano dos sertanejos cearenses.
Veja só:
A — Ai, como é duro viver
nos Estados do Nordeste
quando o nosso Pai Celeste
não manda a nuvem chover.
É bem triste a gente ver
findar o mês de janeiro
depois findar fevereiro
e março também passar,
sem o inverno começar
no Nordeste brasileiro.
B — Berra o gado impaciente
reclamando o verde pasto,
desfigurado e arrasto,
com o olhar de penitente;
o fazendeiro, descrente,
um jeito não pode dar,
o sol ardente a queimar
e o vento forte soprando,
a gente fica pensando
que o mundo vai se acabar.
C — Caminhando pelo espaço,
como os trapos de um lençol,
pras bandas do pôr do sol,
as nuvens vão em fracasso:
aqui e ali um pedaço
vagando... sempre vagando,
quem estiver reparando
faz logo a comparação
de umas pastas de algodão
que o vento vai carregando.
(trecho de ABC do Nordeste Flagelado)

O mundo de Desmundo

Ponto marcante de nossa discussão, a língua é o principal meio de dominação de uma nação sobre a outra. Como dominadores e “civilizados”, os portugueses que aqui chegaram, fossem criminosos ou não, não fariam diferente. Além da força, é claro, impuseram a língua aos índios e negros e assim garantiram a conquista da nova terra. O filme retrata essa realidade em um momento em que no Brasil a igreja era a principal responsável por essa tarefa, onde a catequização dos índios na conversão da religião católica trazia consigo a língua imposta pelos portugueses. Com a vinda da família real, o mesmo acontece, trouxeram os primeiros exemplares das escolas e com ela a “verdadeira” língua, ou seja, a gramática. Esta até hoje tida como parâmetro de cultura e polidez.
Em nosso país, ter acesso ao letramento e a formação acadêmica, o que para muitos significa ser de fato culto, não é uma realidade de todos desde a época do Brasil colonial onde os filhos dos ricos iam para capitais européia para se formar e pobres ficavam lançados a própria sorte. Anos se passaram, o Brasil se “libertou” de Portugal e a língua continua presente separando ricos e pobres, os que têm cultura e os “aculturados”.
Esquecemos que em um país tão extenso em tamanho e diversidades culturais, a variedade linguistica é uma realidade imposta, algo impossível de não vermos. Desmundo nos mostra uma gama de verbetes que com o tempo foram transformados, mas que ainda podemos reconhecê-los principalmente no linguajar hoje coloquial, fato esse não poderia ser mesmo diferente, afinal nossos “fidalgos” ali retratados não representava o orgulho de Portugal.
Embora cientes da existência de tantos sotaques e dizeres ao estarmos diante dessa realidade passamos a fazer uma escala de valores muitas vezes de caráter discriminatório. As diferenças então são vistas como erros inaceitáveis, estúpidos ou mesmo engraçados.
Fatalmente quando ouvimos alguém falando “a gente vamos” ou “cuié”, a maioria de nós passa a ver o outro como pobre e sem cultura. Ao corrigir tal “erro” inconscientemente tentamos impor através da língua este diferencial. Esquecemos dos valores e de uma cultura fora do que é gramaticalmente “correto”.

Falando sobre Desmundo....

Vejo o filme Desmundo, objeto de nossa analise, como uma obra que não lhe foi dada o verdadeiro valor pela grande maioria dos brasileiros. Autores e atores brilharam, mas imersos numa realidade que choca, que revela fatos que não aprendemos nos livros e nem nos modelos europeus que são passados em outros longas-metragens campeões de bilheterias aqui no Brasil.
Uma obra rica e com amplo leque de discussão podendo ser analisado por vários ângulos. A mais obvia delas, em minha opinião, é a questão do gênero, a mulher e a sua “serventia”, ali sendo retratada de maneira nua e crua. Como educadora em tempos de inclusão vimos de maneira sutil, mas não menos real, como eram tratadas as crianças Portadoras de Necessidades Especiais, no caso uma garota com Síndrome de Down. Mais uma vertente seria a forma como eram tratados os verdadeiros brasileiros, os nossos índios. Não podendo faltar, a presença marcante da igreja na “civilização” da nova terra. E por fim, as raízes de nossa língua mãe, o Português.
Nesse relato não posso furtar-me e deixar de falar sobre a personagem Oribella, o retrato da mulher. Como espectadora, assisti ao filme agarrada na expectativa de liberdade e felicidade que Oribella nos transmite e que tanto merecia. Tão grande a decepção quando vi que tudo continuava sendo esperança diante de uma realidade tão cruel que é revelada ao final. Como não poderia deixar de ser, esperança essa retratada no novo, na criança que ela carregava nos braços como sinal de que ali estava o fruto que concretizava momentos de verdadeira entrega e felicidade.
Não diferente nos tempos de hoje a mulher se agarra na expectativa da conquista do seu espaço e do seu respeito. Vimos a mulher guerreira, forte, que trabalha, que sustenta sua família, (que tem que ser bonita!) e que além de tudo traz consigo a tarefa e perpetuar a espécie, o que eu diria: assim como no filme, perpetuar a esperança de um dia vermos uma sociedade com um verdadeiro final feliz.